Há 57 anos no Brasil, boliviana é um baú de histórias
Por: Angelina Miranda
Numa tarde ensolarada no pátio da Igreja da Paz no centro de São Paulo, a apresentação de um grupo folclórico boliviano, aos passos da dança morenada inebria os integrantes do grupo que dançam alegremente, e conseqüentemente contagia aos que assistem.
Dentre eles uma senhora muito animada desperta a inveja dos mais novos.
É a dona Emilia Teran Rocha de 72 anos, cinqüenta e sete no Brasil. Causando a curiosidade de todos ao dançar a morenada, dança típica de sua terra natal, Bolívia.
Baixinha, de cabelos curtos e grisalhos é simpática e solícita, o viço fica por conta das poucas rugas e do riso constante. Dona Ema como é conhecida, é praticamente a mesma, com a mesma força de viver de anos atrás, quando deixou sua cidade, Chochabamba aos 17 anos para trabalhar como babá no Brasil.
Quando chegou à São Paulo na década de cinqüenta, bolivianos na maior cidade do país era raridade. O fluxo migratório destes latinos começou a ser crescente nas décadas de 70 e 80.
Por ter os cabelos negros, lisos olhos pequenos e puxados era freqüentemente confundida com uma japonesa.
Dona Ema diz nunca ter sofrido preconceito, e atribui isso a forma como se porta uma maneira única que fez com que conquistasse o respeito de todos, “Sou de origem indígena dos pés até o último fio de cabelo, tenho muito orgulho disso”, afirma misturando a língua portuguesa com o espanhol.
Por ter tanto respeito e assumir verdadeiramente sua etnia é que ganhou seu espaço na Pastoral do Migrante, onde há mais de quinze anos faz trabalho voluntário.
Sempre que há almoço comunitário, coleta de doações ela está presente ajudando, fazendo ações que julga ser o dever de todos.
“Me dói muito as causas do meu povo, não só os bolivianos, mas todos os imigrantes que passam pelas mesmas dificuldades” diz imponente.
Por isso é tão importante para dona Ema as visitas que faz semanalmente à Casa do Migrante, onde cede seu trabalho, carinho e experiência de vida àqueles que movidos por sonhos deixam suas terras, e aqui lidam com a dura realidade, bem como refugiados políticos que buscam abrigo em outras terras.
A boliviana também passou por maus bocados saindo de seu país. Além de lidar com outros costumes em uma cidade desconhecida, poucos meses depois de chegar às terras tupiniquins descobriu que estava grávida.
Não imaginou que um amor juvenil deixado em Cochabamba resultaria num filho, mesmo avisando a Mário sobre a paternidade nunca mostrou interesse em assumir a criança.
José Teran de 55 anos, até hoje não sabe como é o rosto de seu pai.
Mesmo com as adversidades da vida não tem receio de dizer que teve e tem uma vida feliz, principalmente nos 38 anos em que trabalhou na casa de uma família de noruegueses. Lá viveu boa parte da sua vida, criou o filho e tornou-se membro da família, o convívio diário resultou numa amizade que perdura até os dias de hoje, mesmo não trabalhando mais com eles.
Recentemente passou cinco meses na Noruega, na casa da família “A cidade em que fiquei é muito bonita, mas muito parada, gosto de agitação”, afirma as gargalhadas, dona Ema.
Uma coisa que passa longe da boliviana é timidez. Sempre muito “faladeira” como ela mesma se define, critica em apenas um ponto a comunidade boliviana, “Eles são muito tímidos retraídos, desconfiados, isso atrapalha muito a socialização deles com as outras pessoas”. Afirma dona Ema.
Deixar a timidez de lado é um dos conselhos que dona Ema dá aos iludidos que chegam à Pastoral do Migrante, e o de sempre valorizarem a família.
Emoções em terras distantes
Depois de vinte anos sem ver a família, em meados de 75 regressou à Bolívia. Sem avisar ninguém sobre a sua chegada pensou que faria surpresa aos parentes, só não imaginou que quem teria uma surpresa seria ela.
Passado muitos anos, muita coisa mudou. Nas proximidades da casa, onde passou os primeiros anos de vida, não havia mais as ruas de terras que davam um ar bucólico ao bairro.
Nada das pequenas plantações de milho e batata, das árvores que tinha em sua rua só restou uma figueira, estava tudo urbanizado e para Ema um pouco sem vida.
Numa casa próxima a que morou, estava sua mãe dona Natividad. Adoentada e com idade avançada vivia com a ajuda de parentes, e com a ajuda da irmã Gregória que havia chegado do Chile recentemente justamente por causa do estado de saúde de sua mãe.
Pouco antes de entrar na casa, a irmã de Ema não tinha avisado sobre a cegueira que se apoderou dos olhos da mãe. A irmã apenas comentou sobre um sonho que teve dias antes, em que via sapatos. Pensou estar chegando alguém de longe, mas não imaginou que era Ema que estava a caminho, todos pensaram que tinha falecido, as esperanças eram poucas.
Ao chegar na casa, mesmo sem saber de nada a mãe de Ema teve um pressentimento e imediatamente perguntou a Gregória: “Tem notícias de Emilia minha filha?”, com olhos molhados respondeu que sim, e dona Ema chorando baixinho sentou-se em frente à mãe.
Deslizando as mãos pelo rosto da filha, sentia as lágrimas escorrendo pelos dedos, e aos poucos constatava a beleza que não tinha ido embora com o tempo.
Ver a mãe naquele estado tão vulnerável foi a pior surpresa que Ema poderia ter. Daquele dia em diante prometeu não mais ficar tanto tempo distante de sua família.
Na intimidade
Cheias de histórias pra contar a boliviana guarda consigo muitas emoções e lembranças, assim como a sua casa.Em um prédio no bairro da Luz, no último andar mora dona Ema.
Numa sala pintada de amarelo claro estão registrados em retratos, bonecos, quadros e outros pertences parte da sua história.
Em um vidro grande e estilizado guarda mais de cemcolitas (lembrancinhas) de festas folclóricas bolivianas, o que prova sua presença ativa nos festejos e atos da comunidade há muitos anos.
Bonecas vestidas com as roupas da dança Tinkus, miniaturas de Lhama ocupam as mesinhas que ficam nas laterais do sofá.
Orquídeas e lírios aromatizam o ambiente naturalmente. Até a pessoa mais ranzinza conseguiria se sentir bem e acolhida na casa da boliviana de alma abrasileirada.
De vez em quando prepara pratos típicos da Bolívia como a sopa de maní (em espanhol, quer dizer amendoim), garante que quem prova gosta e nunca mais se esquece.
Nunca se esquece também das músicas folclóricas bolivianas, elas penetram nos ouvidos e fazem dona Ema viajar para além das fronteiras.
Quando perguntada se é mais brasileira ou boliviana, responde: “Meu coração é dividido, amo os dois países” comenta.
Mas, afirma que jamais voltaria morar na Bolívia “Estou acostumada a morar em São Paulo, o calor e o carinho dos brasileiros não existe em lugar nenhum do mundo” concluí emocionada dona Ema.
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